quarta-feira, 22 de março de 2017

Doze semanas

         Era a primeira consulta de pré-natal do dia. Ela entrou no consultório bem devagar, cabisbaixa. Tinha olhos castanhos, o cabelo liso trançado, a pele branquinha e traços delicados que destoavam de seus trajes grosseiros. Estava vestida completamente de preto. Estampada na camiseta baby look, a figura da capa de um álbum famoso da banda Pink Floyd. Tinha somente catorze anos de idade. Um corpo magro de menina, sem qualquer contorno de mulher. Apenas o ventre protuso denunciava a gravidez.
       Estava muito pálida, incomodada com os enjoos. Parecia ansiosa e amedrontada. Definitivamente, seu estado geral não era bom. Tudo naquela jovem paciente parecia pedir socorro. Compadecida, a enfermeira a acolheu e prestou todas as orientações necessárias. Seguiu todo o protocolo de rotina, solicitando exames e prescrevendo suplementos. Ela ouviu tudo calada, inerte. Somente ao final da consulta resolveu quebrar o silêncio e perguntou qual a maneira mais eficaz de acabar com aquela “desgraça” em sua vida.
       Surpreendida com a pergunta, a enfermeira seguiu digitando dados no prontuário eletrônico no intuito de ganhar tempo e pensar sobre a melhor resposta. Decidiu, então, falar simplesmente de amor. Começou descrevendo uma experiência real de maternidade. Desconstruiu um a um os mitos televisivos sobre a gravidez, o parto e o puerpério. Afinal, não nasceria um bebê de novela…           
          A esta altura, a adolescente não conseguia esconder o assombro. Certamente o que a mídia ofertava era tudo que ela imaginava ser verdade absoluta até aquele momento, e a mentira estava desfeita por completo. Mantendo-se serena, a enfermeira prosseguiu... 
       A jovem gestante fez careta ao escutar sobre os sacrifícios exigidos pela amamentação e os adoecimentos frequentes no primeiro ano de vida da criança. No entanto, a enfermeira explicou que todas aquelas noites mal dormidas despertavam as mães para a vigília eterna aos filhos. E fez questão de deixar claro que ambos selavam ali um compromisso pra sempre.
        Com os olhos marejados, a menina agradeceu, disse ter entendido tudo e foi embora. No mês seguinte, como esperado, não compareceu a consulta. Jamais morou no endereço informado para garantir o atendimento. E assim, como uma miragem, desapareceu...

"So, so you think you can tell / Heaven from hell?/ Blue skies from pain?/ Can you tell a green field / From a cold steel rail?/ A smile from a veil? / Do you think you can tell? "
                                                                          Wish You Were Here, Pink Floyd






4 comentários:

  1. Uma crônica encantadora sobre a utopia da maternidade e a realidade da gravidez na adolescência. Mais um lindo texto!!!😍

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  2. Oh,amiga.Encantadora foi essa definição.Obrigada.Bjo😘

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  3. Realidade escrita em versos claros e concisos. Parabéns pela delicadeza e sensibilidade. Bjs.

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  4. Crônica tocante,mostra uma das realidades da gravidez na adolescência.Adorei minha jovem preferida!

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