Era a primeira consulta de
pré-natal do dia. Ela entrou no consultório bem devagar, cabisbaixa. Tinha
olhos castanhos, o cabelo liso trançado, a pele branquinha e traços delicados
que destoavam de seus trajes grosseiros. Estava vestida completamente de preto.
Estampada na camiseta baby
look, a figura da capa de um álbum famoso da banda Pink Floyd. Tinha
somente catorze anos de idade. Um corpo magro de menina, sem qualquer contorno
de mulher. Apenas o ventre protuso denunciava a gravidez.
Estava muito pálida, incomodada com os enjoos. Parecia ansiosa e
amedrontada. Definitivamente, seu estado geral não era bom. Tudo naquela jovem
paciente parecia pedir socorro. Compadecida, a enfermeira a acolheu e prestou
todas as orientações necessárias. Seguiu todo o protocolo de rotina,
solicitando exames e prescrevendo suplementos. Ela ouviu tudo calada, inerte.
Somente ao final da consulta resolveu quebrar o silêncio e perguntou qual a
maneira mais eficaz de acabar com aquela “desgraça” em sua vida.
Surpreendida com a pergunta, a enfermeira seguiu digitando dados no prontuário
eletrônico no intuito de ganhar tempo e pensar sobre a melhor resposta.
Decidiu, então, falar simplesmente de amor. Começou descrevendo uma
experiência real de maternidade. Desconstruiu um a um os mitos televisivos
sobre a gravidez, o parto e o puerpério. Afinal, não nasceria um bebê de
novela…
A esta altura, a adolescente não conseguia esconder o assombro. Certamente o
que a mídia ofertava era tudo que ela imaginava ser verdade absoluta até aquele
momento, e a mentira estava desfeita por completo. Mantendo-se serena, a
enfermeira prosseguiu...
A jovem gestante fez careta ao escutar sobre os sacrifícios exigidos pela
amamentação e os adoecimentos frequentes no primeiro ano de vida da criança. No
entanto, a enfermeira explicou que todas aquelas noites mal dormidas
despertavam as mães para a vigília eterna aos filhos. E fez questão de deixar
claro que ambos selavam ali um compromisso pra sempre.
Com
os olhos marejados, a menina agradeceu, disse ter entendido tudo e foi embora.
No mês seguinte, como esperado, não compareceu a consulta. Jamais morou no
endereço informado para garantir o atendimento. E
assim, como uma miragem, desapareceu...
"So, so you think you can tell / Heaven from hell?/ Blue skies from
pain?/ Can you tell a green field / From a cold steel rail?/ A smile from a
veil? / Do you think you can tell? "
Wish You Were Here, Pink Floyd
Uma crônica encantadora sobre a utopia da maternidade e a realidade da gravidez na adolescência. Mais um lindo texto!!!😍
ResponderExcluirOh,amiga.Encantadora foi essa definição.Obrigada.Bjo😘
ResponderExcluirRealidade escrita em versos claros e concisos. Parabéns pela delicadeza e sensibilidade. Bjs.
ResponderExcluirCrônica tocante,mostra uma das realidades da gravidez na adolescência.Adorei minha jovem preferida!
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