sábado, 17 de junho de 2017

SOS

     Após receber as chaves do quarto na recepção, logo na entrada principal, Alice conseguiu visualizar completamente aquela que seria sua nova morada. Avistou um pátio amplo, com imensa área verde e florida, ornamentado ao centro com uma imagem magnífica da santa padroeira da instituição.
     Olhou para as longas alamedas, com colunas largas, típicas de antigas construções, e enquanto caminhava foi analisando os quadros e placas comemorativas dispostos nas paredes, como estações de uma via sacra que terminou diante da porta do quarto trinta e três.
   No entanto, ao invés de entrar, decidiu atender ao badalar do sino que anunciava o almoço e dirigiu-se ao refeitório. Acreditava que seria uma bela oportunidade para apresentar-se e fazer amizades. Mas a ilusão logo se desfez...Constatou, observando pelas janelas entreabertas, que a maioria das hóspedes comia em suas acomodações, com o auxílio de funcionárias da casa.
    Foi então que percebeu que era exceção ali, pois a despeito do déficit visual causado pela catarata que teimou em não corrigir, estava lúcida e saudável nas proximidades de seus oitenta anos de vida.
   Após o almoço, foi até a capela, e contemplando o Santíssimo, pediu a Deus, como de costume, guarda e proteção aos filhos e netos. Guardava no coração a certeza de que em quinze dias, no seu natalício, os filhos reconsiderariam a decisão de deixá-la aos cuidados de um abrigo e voltariam saudosos para resgatá-la. E assim, mais fortalecida, voltou ao quarto.
    Dedicou toda a tarde para a organização dos objetos e lembranças diversas que couberam na mala. Ao anoitecer, passou a chave na porta e trancou-se ali, por longo tempo, solitária, repassando a vida limpo...

“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma / Até quando o corpo pede
um pouco mais de alma/ A vida não para...”

Paciência, Lenine.

Praia Raiz x Praia Nutella

Parte I

           Era uma vez, em um reino muito distante, uma praia...
   Lá, as pessoas estendiam toalhas na areia e conversavam alegres e despreocupadamente. Crianças catavam conchinhas, erguiam castelos imaginários, jogavam bola ou se ocupavam em “enterrar vivo” aquele tio maluco que toda família que se preza tem.
         Famílias inteiras reunidas com total tranquilidade ao longo da orla marítima. Crianças de colo conhecendo o mar pela primeira vez, idosos matando a saudade de outros tempos, e turistas encantados com o espetáculo natural apresentado por tão linda cidade litorânea.
     Enquanto isso, alguns ambulantes ofereciam bronzeadores criados com fórmulas caseiras super eficazes, e outros tantos, carregavam caixas de isopor com picolés deliciosos, de procedência completamente desconhecida.
      A água do mar não era poluída, o que tornava o banho de mar a principal atração. Quando a fome batia, sempre era possível recorrer a uma frutinha ou a um suco trazido de casa, que adiavam um pouco mais o fim do passeio.
      E quando ficava realmente muito tarde, todo mundo saía pra completar a manhã do domingo de sol em uma churrascaria próxima.
     Chegando em casa, era hora de um bom banho, pra fazer o cabelo retornar ao seu estado natural, e deixar a água do chuveiro escorrer pelo ralo aquele monte de areia que permaneceu grudado entre os dedos dos pés.
     Depois disso, o corpo quente e os olhos vermelhos, embora incômodos, chamavam rapidinho o sono, com o balançar da rede, sem hora pra acordar...

Parte II
       Era uma vez, em um reino muito distante, uma praia...
      Lá, as pessoas eram disputadas como clientes por funcionários de inúmeras barracas, e podiam escolher acomodar suas famílias nas áreas: coberta, palhoça ou de guarda-sol.
     As crianças tinham diversão garantida em parques aquáticos super estruturados e atraentes, e os adultos, entretenimentos variados, de massagens a shows de música ao vivo.
      Não era possível manter conversas longas, uma vez que os ambulantes abordavam as pessoas a cada cinco minutos com uma infinidade de artigos, dos mais simples, como produtos regionais, até os mais sofisticados, como equipamentos eletrônicos.
     Sempre correndo apressadamente, garçons portavam cardápios que impressionavam pela variedade e alto custo dos produtos. A praticidade era tamanha, que permitia permanecer na praia comendo e bebendo, de maneira tão farta por todo o dia, quanto em um bom restaurante da cidade.
    A água do mar, imprópria para o banho, talvez justificasse o desfile de trajes e acessórios esportivos caros e elegantes que as pessoas exibiam, como em um desfile de moda. Talvez estivessem certos de que não sofreriam avaria alguma...
     E todos voltavam para casa, limpos e secos, com a escova impecável. Sem gosto nem cheirinho de mar, mas com a câmera do celular cheia de selfies incríveis para postar em sequência nas redes sociais.

“Quando estiver no dia triste /Basta o sorriso dela pra você ficar feliz/ Quando se sentir realizado /E dizer que encontrou o bem que você sempre quis...”
A Rosa e o Beija-Flor, Matheus e Kauan