sexta-feira, 15 de junho de 2018

Do pingado ao macchiato


         Foi a enfermeira escolhida para participar de uma oficina de capacitação sobre tabagismo como preparação para instituir um grupo de Cessação do Tabagismo na unidade de saúde onde trabalhava. Estava contrariada a princípio, pois não gostaria de abraçar essa ideia, mas percorrendo as estações de aprendizagem, passou a gostar do assunto...
   As facilitadoras orientaram que, na condução dos grupos nas unidades, fosse solicitado aos participantes que escolhessem um dia para parar de fumar, e que eles mastigassem cascas de limão, cravo e gengibre quando sentissem vontade de pegar um cigarro. E a orientação principal aos enfermeiros, que seriam coordenadores dos grupos, era: “ tentar quebrar o elo que liga ao hábito de fumar”!
           Neste ponto, uma instrutora afirmou que o hábito de tomar café e fumar era bastante presente entre os tabagistas, e sugeriu incentivar a troca do café por leite ou chá, até que os participantes dos grupos deixassem de tomar café em definitivo, e, com isso, também abandonassem o cigarro.
Incomodada com essas afirmações, pensando alto, a enfermeira interrompeu a facilitadora, alegando que largar o café e o cigarro poderia representar para esses grupos de fumantes duas perdas ao invés de uma, além de considerar desleal propor algo que ela mesma não conseguiria fazer, pois também amava tomar café. Sugeriu, então, ressignificar a experiência dos fumantes com o café, dissociando a bebida do hábito de fumar.
        A discordância gerou mal-estar, e a enfermeira foi interrompida com a seguinte sentença: “- Você pode seguir o manual ou fazer diferente. Fique à vontade!”. Assim, optou por permanecer calada até o final da oficina.
   Chegou em casa com a cabeça fervilhando de ideias para o grupo, e dentre elas, decidiu que levaria para cada encontro, uma garrafa com uma receita de café de sabor diferente, para que os tabagistas preparassem em casa, experimentassem, e relatassem a experiência no encontro posterior.
         Para o primeiro encontro, levou uma receita de café com limão siciliano, adaptação grosseira e simples do café argeliano mazagran. E como a aceitação foi boa, não parou mais de inventar para os encontros seguintes…
        Em pouco tempo, as receitinhas de café “viralizaram” na comunidade. No grupo, a enfermeira recebia sugestões de novos ingredientes, e alguns pacientes levavam também receitas criadas por eles. Movidos pela curiosidade para experimentar um novo tipo de café, os participantes permaneciam assíduos ao grupo, e alguns pacientes realmente tiveram êxito em deixar o cigarro. Outros, infelizmente, não conseguiram vencer o vício. Mas isso já era esperado…
  Encerrando o ciclo dos encontros do primeiro grupo, ela disse aos participantes: “- Nunca esqueçam que as sementes de todas as possibilidades estão dentro de nós. Assim, para tudo na vida, vocês podem seguir o manual ou fazer diferente. Fiquem à vontade!” 




É saber se sentir infinito, num universo tão vasto e bonito, é saber sonhar, então, fazer valer a pena cada verso daquele poema sobre acreditar… " Trem Bala, Ana Vilela.

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