sábado, 9 de junho de 2018

Efeito Sanfona


        Passou na padaria no retorno do trabalho disposta apenas a tomar uma sopa e encerrar o dia. Encontrou o ambiente todo decorado com a temática junina e a oferta de comidas típicas em grandes panelas de barro expostas para self-service. Foi o bastante para relembrar os festejos de São João de sua infância...
        Lembrou-se dos ensaios para quadrilha no pátio da escola, do constrangimento em dançar em par com um coleguinha pouco conhecido, do barulho das bandeirinhas de papel sacudidas pelo vento, e, é claro, das músicas de Luiz que tocavam repetidas vezes e marcavam todos os passos.
        Nesse período, a mãe seguia o exemplo de várias mulheres do bairro e fazia deliciosas cocadas para venda nas barraquinhas da Igreja, como forma de arrecadar fundos para uma reforma ou campanha católica. E de todas as festas juninas da cidade, talvez pela habilidade para cozinhar e boa ação daquelas senhoras, nenhuma tinha pratos típicos tão saborosos quanto aos das quermesses.
          Acabou rindo sozinha na mesa da padaria, lembrando o seu esforço nas brincadeiras de pescaria, jogo de argolas, boca de palhaço, derruba latas, e outras mais, só para ganhar o melhor dos presentes: uma caixa de estalinhos! E seguir feliz fazendo barulho e assustando pessoas distraídas nas filas das barraquinhas de comidas típicas...
      Começou a tocar uma música ambiente e ela recordou de uma festa junina na companhia do pai. Acostumada a festas animadas com caixas de som, ficou fascinada ao ver e ouvir um trio com sanfona, zabumba e triângulo. O pai começou a contar histórias das festas no interior, de um tal “correio elegante”, onde os “cabras” mais atrevidos enviavam bilhetes para moças comprometidas, e em como ele ajudava nisso, sendo culpado pela união de muito casal que estava trocado, vivendo com a pessoa errada e nem percebia.
           Como sua mãe rejeitou a dança nesse dia, o pai saiu dançando com ela, que ainda mal alcançava seu ombro. Lembrou que sentia as trancinhas batendo no rosto cada vez que rodopiava, e que o calor do vestidão rodado de chita não incomodou em nada aquela alegria tão grande.  
        Pararam somente para acompanhar o bingo. Cada um com seu palitinho de dente, furando a cartela e torcendo pra ganhar o cofrinho cheio de dinheiro que rodou a festa inteira. Não ganharam, mas o pai disse que ela era campeã porque marcou mais números que ele, e ela saiu feliz e vitoriosa por isso, na sua inocência infantil.     
        Deixou a padaria e no caminho para casa ainda surgiram muitas outras lembranças... Pela primeira vez considerou bonito o pai despedir-se deste mundo em um Dia de Santo Antônio. Pareceu bastante justo que um amante do toque da sanfona e da simplicidade da vida sertaneja partisse em mês junino...

"A fogueira tá queimando/ em homenagem a São João/ O forró já começou/ Vamos gente, rapa-pé nesse salão..." São João na Roça - Luiz Gonzaga











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