quarta-feira, 10 de maio de 2017

BFF

     Paula chegou para o trabalho cheia de expectativas. Recém-formada, temia ser lançada na assistência direta aos pacientes e falhar. Temor maior pela inexperiência que pela falta de conhecimento científico. Porém, o que nem imaginava era que havia desafios muito maiores...
      Estava substituindo Jeane, uma colega muito querida por todos, e sentiu o desconforto e a rejeição daqueles que seriam a sua própria equipe.
   Uma enfermeira veterana na unidade de saúde vivenciava atônita a troca de profissionais. Mal acabava de despedir-se de uma colega, que encobria as lágrimas com uns óculos escuros, quando decidiu ir ao encontro da novata.
     No consultório, a recém-chegada estava igualmente mal, chorando baixinho.Tentou dizer algo antes de acolher aquela dor com um abraço que dispensou palavras, mas não conseguiu. Ainda assim, as duas compreenderam-se imediatamente.
     Os dias foram passando e por muitas vezes a veterana enxergou na novata aquela iniciante que foi um dia. Paula era uma menina com um coração cheio de vontade de ajudar a quem precisava e uma cabeça recheada de ideias para isso. No entanto, por já ter visto o seu esforço ser em vão inúmeras vezes, a veterana disse coisas muito duras para por abaixo aquele entusiasmo todo.
        Era uma tentativa, ainda que inconsciente, de proteger a outra, a esta altura já boa amiga, da decepção de ver seus ideais destruídos pelo peso dos desmandos de uma gestão que desvalorizava a singularidade e o potencial transformador humano.
    Porém, independente das limitações que encontrou pelo caminho, Paula agiu e transformou o atendimento em Saúde da Mulher na unidade. E todo mundo pôde assistir de perto o desenvolvimento de uma enfermeira desde o comecinho...
      Como esperado, a competência dela logo rendeu frutos. Foi aprovada em concurso público de outro município e precisou deixar o posto de saúde. Infelizmente, a vida não repõe bons amigos na mesma proporção em que os leva embora, o que torna essas despedidas bastante sofridas. E as companheiras de tantos sorrisos acabaram chorando...
      Paula levou a certeza de que precisava viver tudo aquilo, concluindo que investir em um cuidar com dedicação e afeto sempre vale a pena, embora nem sempre saia conforme imaginado. E a veterana permaneceu no mesmo lugar, a espera de novas enfermeiras, Jeanes, Paulas, Bias, e quem mais chegar, grata pelas lições desses encontros, que renovam dentro dela o amor pela sua arte.

“Sempre que eu preciso me desconectar/ Todos os caminhos levam ao mesmo lugar/ É o meu esconderijo, o meu altar/ Quando todo mundo quer me crucificar.../ Eu só quero estar com você!”

De fé, Humberto Gessinger