quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Manhã na Paulista

 

        O grupo de amigas decidiu deixar o hotel para aproveitar a manhã de folga do evento científico e realizar compras a preços populares em um bairro próximo ao local. Ela, no entanto, simulou uma indisposição e não acompanhou o grupo.

        Decidiu sair a pé conhecendo um pouco mais de perto a cidade. No caminho, deparou-se com uma jovem loira, alta e magra, com olhos bem marcados por sombra escura, usando braceletes em couro preto com spikes, calça jeans de cintura baixa e camiseta branca básica de alcinha, deixando à mostra uma tatuagem de flor de lótus em seu colo, entre os seios.

        Os sons  de sua guitarra e de sua voz potente competiam com o barulho do trânsito intenso, e sua qualidade artística em pouco tempo gerou aglomeração ao seu redor, e um bom dinheiro preencheu a case de seu instrumento musical que estava deitada ao chão em frente ao suporte do microfone.

       Ela aproveitou bastante aquele show a céu aberto. Cantou, filmou a performance da moça em seu cover perfeito da Avril Lavigne, e seguiu seu caminho.

       Escolheu visitar uma das inúmeras galerias do centro da cidade, antigos ícones do modernismo, espaços que entraram em decadência e ainda sobrevivem graças ao comércio popular. Encontrou um antiquário bastante charmoso, com uma atmosfera mágica. A atendente era uma senhora de cabelos grisalhos, com óculos pequeninos em formato gatinho, muito elegante, vestida com uma blusa de tricô, que ostentava um lindo broche de pedrarias em sua maxi gola, e uma calça de alfaiataria, de corte impecável.

         A suave música ambiente relembrava clássicos da MPB e ajudava a mergulhar na história de cada objeto disposto ali. Viu lindos camafeus, melindrosas, ânforas pintadas a mão e vasos de murano azul. Nas paredes, várias fotos da senhorinha, dona do local, acompanhada de artistas de uma famosa emissora de televisão, lembranças de seus tempos como figurante, quando surgiu a ideia de assumir o negócio de peças antigas de uma amiga.

         Saiu da loja e seguiu deslumbrada com a série de itens exclusivos das vitrines diante de seus olhos. Percebeu que já estava distante do hotel e resolveu retornar. Ao tentar atravessar a rua, observou uma mulher, na parada de ônibus, segurando a mão de uma menina com estatura de aproximadamente quatro anos.

       Como em um quadro, a garoa que insistia em permanecer, tornava a imagem da garotinha ainda mais bela....Pele clara, com bochechas cor de romã, coradas pelo frio, cabelo castanho, liso, em corte Channel, blusa branca com mangas fofas, salopete em veludo azul marinho, meia calça e sapatinho vermelho em verniz. Uma verdadeira boneca viva, que subiu no coletivo e desapareceu como uma miragem...

           Seguiu pela calçada buscando um local agradável para um café, e quase esbarrou em uma mulher apressada, que parecia ter saído de um filme da década de 80, ambientado em Nova Iorque. Com batom vermelho vivo, vestido tubinho, acessórios caros, salto agulha e um sobretudo que arrematava seu visual executivo, ela segurava um copo da Starbucks enquanto acenava para o táxi, apoiando o celular no ombro enquanto conversava...

          Sorriu desejando que aquela mulher esbarrasse em um grande amor, ou mesmo que se interessasse pelo taxista, ou outro alguém qualquer que considerasse adorável sua maneira estabanada, e consertasse a bagunça de sua vida e de seu coração...E que vivesse feliz pra sempre, após receber um beijo apaixonado no saguão de um aeroporto, minutos depois de desistir de partir para outro país a trabalho...

           Avistou feliz uma confeitaria com ambientação romântica, em tons pastéis, papel de parede floral e uma delicadeza em cada detalhe do serviço. Lá, os jogos americanos eram de papel, com uma moldura impressa, e sobre a mesa havia um potinho com giz de cera, convidando os clientes a desenhar algo.

           Ela aceitou a brincadeira e tentou desenhar em traços rápidos a última mulher que encontrou em seu passeio. A garçonete perfumada e sorridente, de lindos olhos azuis, que vestia um conjunto de avental e touca estampadas com cupcakes coloridos. Abaixo do desenho, deixou por escrito um agradecimento pelo atendimento recebido e saiu.

             Ao retirar a mesa, vendo que se tratava dela, a garçonete exibiu o papel para todos os colegas do lugar e fixou a folha no espaço dedicado a exposição dos desenhos na confeitaria.

             Ela observava tudo de longe, através da janela, e retornou para hotel renovada. Tirou grandes lições ao ver todo o refinamento de cada uma daquelas mulheres, e a responsabilidade e alegria com que exerciam seus papéis.

            Chegou a tempo de receber as amigas, carregadas de sacolas, repletas de imitações grosseiras de roupas e acessórios de marcas renomadas. Prometeu acompanhá-las no dia seguinte e escutou pacientemente todas as perícias do grupo durante o passeio da manhã.

           Lembrou-se do pequeno porta jóias de porcelana européia, estilo Luís XIV, pintado a mão, que adquiriu no antiquário e estava guardadinho na sua suíte, e teve certeza de que fez a melhor escolha para aquele dia...

 "Na medida do impossível, tá dando pra se viver. Na cidade de São Paulo, o amor é imprevisível como você,e eu, e o céu..." Lá vou eu (Zélia Ducan).