sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Plié, chassé, jeté...

 

         Quando decidiu fazer a aula experimental, encontrou uma bailarina vestida de carne e osso, que se afastava daquela figura idealizada dos livros, dos filmes e das caixinhas de música. Uma figura tão real que ela acreditou ser possível aprender a dançar naquela altura da vida.

        As colegas de turma exibiam uma desenvoltura que ela não conseguia alcançar. Conheceu as seis posições, a mão de bailarina, mas não conseguia saltar. Sequer conseguia coordenar as posições de braço e cabeça nos exercícios na barra, mas adorava mover-se ao som da música suave, e já ganhava certo equilíbrio, embora a perfeição dos passos ainda fosse um grande desafio.

        Descobriu que as pernas das bailarinas devem sempre ser cor de rosa, que havia um dia dedicado a elas, já sabia escolher sapatilhas melhores e estava convencida de que dançar independia da idade e do peso. Mesmo assim, a cada sábado, prometia que não voltaria, mas lembrava da acolhida carinhosa da professora na sua chegada, e do empurrãozinho dela, que ajudava a conseguir alcançar os pés, e acabava voltando.

       A pandemia fechou a escola e as aulas virtuais eram o que faltava para justificar o fim daquela aventura. Afinal, já havia abandonado várias atividades físicas, e aquela seria apenas mais uma. No entanto, a professora corrigia cada detalhe individualmente, como em aula convencional, e vendo todo aquele esforço, ela tentava corresponder, mesmo com as crianças interferindo na sala de tempos em tempos.

        No retorno presencial, surgiu o anúncio de um festival de dança. Indecisa, foi participando dos ensaios, envolvida pelo entusiasmo das colegas. E foi prosseguindo, amedrontada nos encontros com a turma avançada, cuja professora parecia ser bem mais enérgica. 

       Com a proximidade da data de apresentação, percebeu que o conjunto precisava dela, e desistir já não era uma opção.

       Levava a “Valsa das Flores” na memória no caminho para o trabalho, lembrava da professora, balançando a cabeça como uma boneca, marcando o compasso da música, e sorria. 

       E foram muitos vídeos e aulas extras, mas ela permanecia insegura com a coreografia, e foi assim até o grande dia.

       Nos bastidores do espetáculo, ela e uma amiga deram as mãos. Engoliram o choro pelos pais falecidos vendo uma outra bailarina receber sua sapatilha de pontas do pai. 

           Entrou e dançou diante de um público que estava frente a frente com ela, no mesmo plano. 

       Ofegante, de joelho, estática na posse final, recebeu aplausos demorados. Conseguiu! E em um misto de orgulho e alívio, correu para abraçar a filha mais velha, que chorava de emoção, exatamente como ela fazia no papel de mãe nos festivais da escolinha.

       Estava certa de que foi principalmente o desejo de não decepcionar a professora, que depositou tanta confiança nela, que a levou até ali. Conseguiu, graças a perseverança de uma menina, que um dia, como ela, também não desistiu, e tornou-se professora de ballet...

"Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar no sonho que se tem, ou que seus planos nunca vão dar certo, ou que você nunca vai ser alguém..." Mais uma vez, Legião Urbana.