Era pôr do sol em São Benedito. O
menino correu para o seu quarto, pegou sua latinha vazia de leite em pó e se
dirigiu para a rua ao encontro dos amigos. A revoada de tanajuras se aproximava
e eles estavam a postos, com chinelos nas mãos, esperando o momento certo para
interromper aquele voo e capturá-las.
O antigo costume indígena de caçar e
comer formigas ganhava outro significado. Agora, era uma divertida brincadeira
de rua para a molecada, que competia pelos insetos sem se importar com uma ou
outra dolorida picada.
Rapidamente, as formigas perdiam a parte dianteira
do corpo e as asas, e as latinhas ficavam cheias apenas da parte comestível: o abdômen
das içás! Após a captura, as crianças voltavam orgulhosas para casa e entregavam
para suas mães o apurado do dia.
As formigas eram lavadas e fritavam
na manteiga exalando um cheiro forte que impregnava todo o ambiente e virava
mais uma doce memória de infância daqueles meninos. Acompanhadas de farofa, as formigas se
transformavam em uma iguaria exótica, popularmente conhecida como “bunda de
tanajura”. Crocantes e gordurosas, tinham um sabor indescritível, melhor que
qualquer salgadinho de festa. E todo esse ritual se repetia por mais alguns
dias, enquanto houvesse a oferta do animal...
Era pôr do sol em Fortaleza. Tempos difíceis
de confinamento por uma pandemia que causava várias perdas e tolhia a alegria e
a liberdade de todos. Depois de mais de trinta anos, o menino, agora casado e
com dois filhos, contemplava pela janela de seu apartamento o degradê
alaranjado que se formou no céu. Lembrou da caçada das tanajuras e sorriu.
Capturou a imagem diante de seus olhos em uma foto e compartilhou no status do aplicativo do
celular. Ainda que involuntariamente, esperava talvez despertar algumas boas
lembranças e acalentar quem o visse...
" Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão..." (Bola de Meia, bola de gude, 14 Bis)