sábado, 4 de julho de 2020

Ao vencedor, as formigas!


           Era pôr do sol em São Benedito. O menino correu para o seu quarto, pegou sua latinha vazia de leite em pó e se dirigiu para a rua ao encontro dos amigos. A revoada de tanajuras se aproximava e eles estavam a postos, com chinelos nas mãos, esperando o momento certo para interromper aquele voo e capturá-las.
           O antigo costume indígena de caçar e comer formigas ganhava outro significado. Agora, era uma divertida brincadeira de rua para a molecada, que competia pelos insetos sem se importar com uma ou outra dolorida picada.
          Rapidamente, as formigas perdiam a parte dianteira do corpo e as asas, e as latinhas ficavam cheias apenas da parte comestível: o abdômen das içás! Após a captura, as crianças voltavam orgulhosas para casa e entregavam para suas mães o apurado do dia.
          As formigas eram lavadas e fritavam na manteiga exalando um cheiro forte que impregnava todo o ambiente e virava mais uma doce memória de infância daqueles meninos.  Acompanhadas de farofa, as formigas se transformavam em uma iguaria exótica, popularmente conhecida como “bunda de tanajura”. Crocantes e gordurosas, tinham um sabor indescritível, melhor que qualquer salgadinho de festa. E todo esse ritual se repetia por mais alguns dias, enquanto houvesse a oferta do animal...
           Era pôr do sol em Fortaleza. Tempos difíceis de confinamento por uma pandemia que causava várias perdas e tolhia a alegria e a liberdade de todos. Depois de mais de trinta anos, o menino, agora casado e com dois filhos, contemplava pela janela de seu apartamento o degradê alaranjado que se formou no céu. Lembrou da caçada das tanajuras e sorriu. Capturou a imagem diante de seus olhos em uma foto e compartilhou no status do aplicativo do celular. Ainda que involuntariamente, esperava talvez despertar algumas boas lembranças e acalentar quem o visse...
" Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão..." (Bola de Meia, bola de gude, 14 Bis)