Quando
decidiu fazer a aula experimental, encontrou uma bailarina vestida de carne e
osso, que se afastava daquela figura idealizada dos livros, dos filmes e das
caixinhas de música. Uma figura tão real que ela acreditou ser possível aprender
a dançar naquela altura da vida.
As colegas de turma exibiam uma
desenvoltura que ela não conseguia alcançar. Conheceu as seis posições, a mão
de bailarina, mas não conseguia saltar. Sequer conseguia coordenar as posições
de braço e cabeça nos exercícios na barra, mas adorava mover-se ao som da música
suave, e já ganhava certo equilíbrio, embora a perfeição dos passos ainda fosse
um grande desafio.
Descobriu que as pernas das bailarinas devem
sempre ser cor de rosa, que havia um dia dedicado a elas, já sabia escolher sapatilhas melhores e estava
convencida de que dançar independia da idade e do peso. Mesmo assim, a cada
sábado, prometia que não voltaria, mas lembrava da acolhida carinhosa da
professora na sua chegada, e do empurrãozinho dela, que ajudava a conseguir
alcançar os pés, e acabava voltando.
A pandemia fechou a escola e as aulas
virtuais eram o que faltava para justificar o fim daquela aventura. Afinal, já
havia abandonado várias atividades físicas, e aquela seria apenas mais uma. No
entanto, a professora corrigia cada detalhe individualmente, como em aula
convencional, e vendo todo aquele esforço, ela tentava corresponder, mesmo com
as crianças interferindo na sala de tempos em tempos.
No retorno presencial, surgiu o anúncio de um festival de dança. Indecisa, foi participando dos ensaios, envolvida pelo entusiasmo das colegas. E foi prosseguindo, amedrontada nos encontros com a turma avançada, cuja professora parecia ser bem mais enérgica.
Com a proximidade da data de apresentação, percebeu que o conjunto precisava dela, e desistir já não era uma opção.
Levava a “Valsa das Flores” na memória no caminho para o trabalho, lembrava da professora, balançando a cabeça como uma boneca, marcando o compasso da música, e sorria.
E foram muitos vídeos e aulas extras, mas ela permanecia insegura com a
coreografia, e foi assim até o grande dia.
Nos bastidores do espetáculo, ela e uma amiga deram as mãos. Engoliram o choro pelos pais falecidos vendo uma outra bailarina receber sua sapatilha de pontas do pai.
Entrou e dançou diante de um público que estava frente a frente com
ela, no mesmo plano.
Ofegante, de joelho, estática na posse final,
recebeu aplausos demorados. Conseguiu! E em um misto de orgulho e alívio, correu
para abraçar a filha mais velha, que chorava de emoção, exatamente como ela fazia
no papel de mãe nos festivais da escolinha.
Estava certa de que foi principalmente o
desejo de não decepcionar a professora, que depositou tanta confiança nela, que
a levou até ali. Conseguiu, graças a perseverança de uma menina, que um dia,
como ela, também não desistiu, e tornou-se professora de ballet...
"Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar no sonho que se tem, ou que seus planos nunca vão dar certo, ou que você nunca vai ser alguém..." Mais uma vez, Legião Urbana.
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