Entrava nas casas como se a
ameaça invisível que lhe roubava o sono estivesse presente por toda a parte, à
espreita, aguardando uma oportunidade para jogá-la nos números de casos
confirmados da doença divulgados todos os dias em seu Estado. Porém, recebia o
sorriso dos idosos e cuidadores que conhecia há anos e sentia-se envergonhada
por temer aquelas visitas daquela forma.
Não conseguia mais ser expansiva e engraçada como de costume, o que
causava certo estranhamento nas pessoas. A proibição do contato físico gerava
um comportamento frio que afrontava a sua humanidade. A falta do toque, do
afeto, descaracterizava seu cuidado e gerava uma angústia que a adoecia, mesmo
na ausência do diagnóstico.
Definitivamente, não era assintomática! Estava abatida, emagrecia a olhos
vistos, sem qualquer esforço, e deixava transparecer a dor em seu semblante
carregado de olheiras profundas, e no abandono de sua vaidade, no modo de
vestir, na falta de adornos, e na maquiagem já deixada de lado.
Percorria as ruas quase desertas do bairro sofrendo calada,
imaginando a tragédia que iria se abater sobre aquelas pessoas tão
indefesas...O idoso acamado por fratura de fêmur, aquele outro que sofreu uma
amputação, o casal de cadeirantes que morava sozinho, e aquela senhora, com
olhos azuis celestes, que devido as circunstâncias, interrompeu seu tratamento
oncológico...
Em meio a toda a tristeza desse
cenário, ainda tinha que lidar com a euforia das pessoas em torno da sua
presença, como se portasse naquela caixa térmica cheia de vacinas, a cura daquele
mal...
Ser recebida assim, de forma
inocente, como uma heroína, agigantava seus sentimentos de caridade e compaixão
por toda aquela gente.
Queria manter-se forte, mas seu espírito estava desolado. Nunca
foi tão difícil manter a esperança em dias melhores. Nunca foi tão difícil
olhar para sua equipe e conseguir ser a força a motivar e impulsionar a seguir.
Nunca foi tão difícil ser enfermeira...
"There will be an answer, let it be, let it be..." The Beatles, Let it be.
Lindo
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