Todos
os dias, impreterivelmente, revestia o corpo com touca, máscara, protetor
facial, avental e luvas descartáveis antes de iniciar seu trabalho. O espírito,
no entanto, estava vacilante...Alguns dias, aparecia em traje mais formal,
cheio de coragem e ânimo. Em outros, parecia despido, deixando à mostra toda a
fragilidade e insegurança em lidar com uma doença tão devastadora.
Quase irreconhecível, foi questionada por
uma paciente sobre o motivo daquele atendimento tão distante e frio. Caiu em
si, e sentiu-se envergonhada diante da constatação de que seu cuidado, sempre tão
vivo, tão afetuoso, estava morto. Explicou a necessidade de manter aquela
conduta de afastamento, assegurando que em breve voltaria a tratá-la com a espontaneidade
de sempre, embora em seu íntimo não estivesse convencida disso...
Tinha
conhecimento dos amigos adoecidos, e o exemplo dos colegas que resistiam,
abandonando suas casas e famílias para dedicar-se a ajudar a quem precisava, e
continuava dia após dia em seu penar.
Pouco
adiantava agarrar-se às notícias positivas vinculadas na mídia, pois o alívio ia
embora em fração de segundos, como se seguisse o deslizar dos dedos na tela do
celular. Logo em seguida, a sensação de impotência novamente ganhava forma
diante de números assustadores de óbitos, e deixava os pensamentos turvos.
No entanto, seu senso de justiça insistia
em ser superior ao seu temor, e ela repugnava a conduta de quem se valia de
inúmeras estratégias para se esquivar do atendimento a pessoas sintomáticas.
Assim, seguia no front da pandemia, o
maior desafio de sua trajetória profissional até então, optando pela coragem,
pois não suportaria relembrar esses momentos sob o peso da desonra da covardia...
"Se me der um beijo eu gosto/ Se me der um tapa eu brigo/ Se me der um grito não calo/Se mandar calar mais eu falo./ Mas se me der a mão, claro, aperto/ Se for franco, direto e aberto/Tô contigo amigo e não abro/ Vamos ver o diabo de perto..." Recado, Gonzaguinha.
👏🏾👏🏾👏🏾🌻🌻🌻🌻🌻
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