quarta-feira, 12 de junho de 2019

Faxina


        Luiza resolveu aproveitar seu dia de folga para organizar sua casa. Começou pela estante de livros. Foi separando em uma caixa exemplares que já não interessavam tanto no intuito de doar para alguma instituição ou simplesmente “abandonar” em alguma estante solidária em lugar público para permitir que os livros chegassem a vários outros leitores.
    Folheando os livros, encontrou dedicatórias carinhosas, mas resistiu ao impulso de arrancar as páginas. Pensou que seria divertido para o novo leitor imaginar a quem pertenceu aquela obra e o porquê do presente. Os livros guardavam também selos, fotos 3x4 antigas e nomes e números de telefone escritos em pequenos pedacinhos de papel, que serviam como marcadores de página quando ela estava desprevenida fora de casa, talvez na sala de espera de algum consultório ou em um transporte coletivo.
     Terminando a seleção dos livros, passou a vasculhar os armários. Separou roupas e sapatos para doação. Praticar o desapego nunca foi difícil para Luiza, pois gostava de ajudar pessoas, e tudo o que parecia não servir mais ganhava sempre um bom destino, como um bazar de caridade da igreja que frequentava. Dobrou vestidos de festa pouco utilizados, mas com modelos já ultrapassados, e umas calças jeans que há muito esperavam pelo dia em que ela levaria a sério sua dieta e voltaria ao seu peso da juventude.
      Determinada a pôr tudo em ordem, deixou o lixo repleto de objetos imprestáveis: bijuterias estragadas, acessórios, remédios e cosméticos vencidos, artigos de papelaria, capinhas de celular, etc.
     A parte mais complicada da organização foram as pastas com documentos e papeis...Entre a bagunça, encontrou comprovantes de pagamentos, publicações impressas em diário oficial, artigos científicos da época de estudante, certificados, cupons fiscais, exames de imagem e laboratoriais antigos, manuais de instrução de equipamentos que já nem possuía mais, dentre outros. Foi separando tudo por data, etiquetando em novas pastas e separando o que poderia ser enviado para reciclagem de papel.  Mas mesmo assim, ainda deixou muito por fazer. A repetição tornou-se enfadonha demais, mesmo ouvindo e cantando músicas durante o trabalho para manter o pique.
     Descendo as escadas, olhou para a grande quantidade de brinquedos das filhas, e também resolveu mexer lá. Tentou limpar bonecas estragadas, arrumar as roupinhas, e quando ia jogar fora aqueles brindes inúteis que acompanham os lanches rápidos das crianças, e uma coleção de copos e sacolas recebidas como lembrancinhas de aniversário, foi surpreendida pela diarista, que pediu os artigos para seus filhos. Sentiu-se constrangida, por serem objetos sem valor, mas consentiu.
       Precisando de mais espaço nos armários da cozinha, retirou peças de louça e utensílios que estavam sem par. Trocou depósitos velhos pelos novos Tupperware que havia comprado. Abriu um jogo de jantar de porcelana, presente de casamento, mantido em um baú na dispensa de casa, e colocou para uso no dia a dia. E continuou enfeitando tudo pela casa...
       Toalhas de mesa bordadas pela mãe foram lavadas e começaram a aparecer aos finais de semana. Imagens sacras, quadros, porta-retratos e outros objetos comprados em viagens ganharam lugar de destaque, e os móveis mudaram de posição, o que fez a casa parecer mais ampla e bonita.
      Até a área externa Luiza resolveu mudar. Comprou um pallet e suspendeu as plantas em vários jarrinhos. Foi a maneira que encontrou para manter o verde das plantas no jardim, longe dos ataques de sua cadela. E apreciou muito o resultado.
      Infelizmente, os dias foram passando e a sensação de limpeza e organização da casa foi indo embora mais uma vez. Novas pilhas de papel surgiram, as crianças seguiram acumulando mimos de aniversário, objetos danificados foram guardados na esperança de algum conserto, etc.
     Assistindo TV, balançando na rede, olhando ao seu redor, Luiza percebeu que poderia mudar a casa toda, menos os hábitos de sua família, e decidiu que ia continuar organizando tudo de vez em quando, porque gostava disso, mas não iria exigir que o marido e as filhas se adequassem a isso. Sorriu sozinha, pensando se teria essa maturidade quando encontrasse roupas espalhadas e copos esquecidos no sofá, e ficou um bom tempo imaginando como poderia aproveitar melhor seu próximo dia de folga...

“Eu hoje joguei tanta coisa fora/E lendo teus bilhetes, eu lembro do que fiz/ Cartas e fotografias gente que foi embora/ A casa fica bem melhor assim...” Tendo a Lua, Paralamas do Sucesso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário