sexta-feira, 7 de junho de 2019

Oficina descomplicada


           Para Giulia, aquela era apenas mais uma visita a oficina mecânica. Seu Volkswagen há um bom tempo já necessitava de reparos periódicos e ela já estava familiarizada com aquele ambiente, considerado nada hospitaleiro para a maioria das mulheres.

          Entregou as chaves do veículo no balcão e dirigiu-se para a sala de espera dos clientes. O serviço daquele dia era troca de pneus, alinhamento e balanceamento. Pacientemente, serviu-se de um café e começou a ler o jornal local. Nesse momento, Maria entrou na sala acompanhada de seu marido João e seus protestos.
          João alegava que iria apenas aguardar o parecer técnico, mas já sabia que seria o mesmo das outras vezes, quando o carro, recém adquirido, tinha precisado de conserto: dano causado por mal uso do veículo.
        Indignada, Maria revidou dizendo que a culpa não poderia ser creditada apenas a ela, considerando que o carro atual era bem inferior ao que tinha antes. Diante disso, João lembrou-lhe dos episódios passados, quando, por exemplo, o ar-condicionado quebrou.
        A conversa já começava a desandar quando foi interrompida por Glauber, proprietário da oficina, que entrou na sala de espera para passar o orçamento, sugerindo a troca da caixa de marchas. Conhecendo o casal, ele evitou maiores comentários a respeito, mas João fez questão de esmiuçar o diagnóstico apresentado e perguntou: "- É comum um desgaste tão precoce dessa peça?" Desconcertado, escolhendo as palavras, ele disse que, geralmente, o hábito em manter o pé na embreagem e "segurar" o carro sem utilizar o “freio de mão” poderia antecipar o problema. 
        Enraivecido, João decide dar uma lição na esposa, e ao invés de deixá-la no shopping como de costume e permanecer na oficina acompanhando o serviço, resolveu inverter esses papéis. Despediu-se da esposa, que ficou bastante contrariada, e disse que retornaria em duas horas. Esperava que, com isso, ela compreendesse todo o desgaste que ele passava, entregando e recebendo o carro para comodidade dela.
        Glauber aproxima-se de Giulia e Maria e as convida para conhecer a oficina e aprender algumas coisas úteis sobre os carros e sua manutenção. Ele aponta para o elevador automotivo ao centro do galpão, e diz: “- Aquele é Seu Mardônio, ao lado de sua Discovery verde oliva, veículo que ele conserva consigo há anos, pois marcou sua prosperidade financeira como dono de um cursinho pré-vestibular renomado na cidade”.
       Logo à direita, eles cumprimentam Tia Edilene, que aproveitava para panfletar, oferecendo seus serviços de transporte escolar, enquanto seu Citroen Jumper passava pela revisão de dez itens oferecida pela oficina.
        Inesperadamente, o motor do fusca 73 "amarelo queimado" de Seu Gilberto anuncia sua chegada. Luiz, que ia começar a substituir o Santo Antônio de uma Saveiro Cross, interrompe o serviço para recepcionar o cliente ilustre, pois apenas ele estava autorizado a mexer naquele tesouro.
        Glauber explica as clientes que o hobby de seu Gilberto em garimpar peças originais para o veículo fez com que seu "besouro" chegasse a ser premiado em exposições por sua fidelidade ao padrão da época em que foi fabricado.
        Maria ficou hipnotizada pelo carro, circulando e observando seus detalhes, até encher-se de coragem e pedir uma foto no veículo.
        Nesse momento, João retorna e encontra a esposa sorridente. Para surpresa dele, no caminho de volta para casa, ela vai tagarelando e revelando tudo o que viu e aprendeu na oficina.
        Por sua vez, pensando na experiência com as clientes aquele dia, Glauber resolveu elaborar com sua equipe um mini curso, que aconteceria todo último sábado de cada mês, voltado para mulheres, para ensinar noções básicas sobre peças e manutenção de veículos.
        E assim aconteceu... O sucesso foi tão grande, que, em todo último sábado de cada mês, o estabelecimento ficava lotado de mulheres, que se interessaram em acompanhar seus cônjuges, desmitificando a ideia novelesca de que oficina mecânica é espaço meramente masculino. 

"Mandei meu Cadillac pro mecânico outro dia/ Pois há muito tempo um conserto ela pedia/ E como vou viver sem um carango pra correr/ Meu Cadillac bip bip/ Quero consertar meu Cadillac..." Roberto Carlos, O Calhambeque.


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