Maria era uma exímia bordadeira. Fazia enxovais completos para
recém-nascidos à mão. Francisco trabalhava viajando, percorrendo vários
municípios a serviço da Secretaria de Agricultura do seu Estado de origem.
Certo dia, Maria foi acompanhar seu irmão padre em uma cidadezinha do interior,
para ajudar na Casa Paroquial, e o encontro aconteceu…
O rapaz estava de casamento marcado com
uma moça muito conhecida na cidade por seu grande talento para a culinária, e
em especial, para doces. Ele precisou ir até a igreja para acertar detalhes do
casório, e avistou Maria, sentada em sua máquina de costura, preparando coisas
lindas para mais um bebê que estava prestes a chegar. Aquela figura doce e
serena o encantou de tal forma, que decidiu protelar o casamento. E as visitas
à igreja se tornaram cada vez mais frequentes quando ele estava no lugar.
O tempo foi passando, os dois se aproximaram, e Francisco decidiu
desfazer seu noivado. Apaixonados, eles passaram a corresponder-se por cartas.
Foi a maneira que encontraram para esconder o que sentiam aos olhos de toda a
cidade, que ficou estarrecida com o fim do noivado, uma vez que os noivos já
haviam comprado casa e mobiliado tudo, mas Francisco não voltou atrás.
Sem coragem para revelar o que
sentiam, o namoro seguiu por correspondência e com alguns encontros fortuitos
quando ele estava no lugar. O tempo passou um pouco mais e o rapaz estava
decidido a assumir o namoro publicamente, quando o pai de Maria faleceu. As
coisas pioraram para ele, pois o irmão padre era agora o responsável pela
família toda, formada pela mãe e oito irmãos. Muito astuto, Francisco soube do
desejo do padre em reformar a paróquia, e para aproximar-se dele, sugeriu ao sacerdote
que escrevesse cartas a todos os fiéis mais abastados do lugar solicitando
doações. E assim o pároco fez. Em pouco tempo, a paróquia estava nova e
ampliada. E Francisco ganhou a afeição do padre.
Logo os dois conseguiram ficar
juntos. Casaram após doze anos de namoro e tiveram apenas uma filha. Francisco
vendeu tudo o que havia comprado para o casamento que nunca aconteceu, mas
preservou um presente: o fogão! A filha presenciou brigas terríveis entre os
pais por causa deste item, mas era pequena demais pra entender sobre o ciúme de
uma mulher. Maria parou de bordar e virou dona de casa. Desde então, só se
arriscava em enfeitar peças de pano para casa e vestidos para a menina. Como
mãe, sempre atarefada com a rotina doméstica, sem perceber, deixava a filha por
muito tempo aos cuidados do pai.
Francisco apropriou-se da menina como se ela
fosse o tesouro mais precioso que havia conquistado na vida. Viveram muitas
coisas juntos. Ele realizou todos os seus sonhos, mimou o quanto podia, e
ensinou muito sobre generosidade e gratidão. E todas as vezes que ela chorou, ele
ofereceu o seu abraço mais afetuoso.
Um dia, ele levou a menina para
andar de bicicleta, e na pracinha, a pequena questionou sobre o fogão. Pediu
para o pai desfazer-se daquilo, tomada pela raiva da mãe. E ele explicou que o
fogão foi o presente mais especial de todos daquela casa que nunca existiu.
Escolheu o melhor eletrodoméstico porque esperava que a doceira fizesse ainda
mais sucesso na cidade, e também porque ela passaria a maior parte do tempo lá,
cozinhando, e isso o tornaria especial. Foi a partir de então que a menina
passou a prestar mais atenção nessa história de dar e receber presentes…
A menina tornou-se enfermeira,
casou-se e perdeu a avó e o pai em anos seguidos. A morte de Francisco a
destruiu por dentro, e ela ainda precisava manter-se forte para amparar a mãe.
Afinal, não tinha irmãos para dividir nada… Nos primeiros dias, achou que Maria
fosse ficar deprimida, e dedicou mais atenção a ela. Um dia, após um choro
compulsivo de quase dez minutos, a mãe, sufocada de dor, disse para a filha que
lamentava não ter guardado nenhuma das cartas de amor do tempo de namoro. E aquela
menina de antigamente foi com ela, resgatar lembranças e ajudar a superar todo
aquele luto.
Maria pegou uma frasqueira, que foi
presente dele, e disse que tudo o que restava era um cartão e uma caixinha que
veio dentro dela. A filha pediu que explicasse aquele presente. Ela começou
contando que durante o namoro, solicitou a Francisco que comprasse uma
frasqueira para guardar as fitas, linhas e apetrechos para bordar, e em uma de
suas viagens, ele comprou. Porém, como o namoro ainda não havia sido revelado,
ele resolveu esconder, em um bolsinho da frasqueira, o cartão e uma caixinha
com um terço de prata. A menina, a esta altura da vida, já toda entendida em
presentes e histórias de amor, consolou a mãe dizendo que ela havia guardado o
que foi mais significativo para ela. Na época, ela manuseava a frasqueira o dia
todo para costurar, e assim, de alguma forma, ele estava lá… Além disso, ao
final do dia, ela podia ler e reler o cartão, e ainda, tomar o terço nas mãos e
pedir a Deus proteção para ele em tantas viagens. Maria sorriu, agradeceu a
filha e disse que a melhor lembrança de Francisco era o presente que havia
nascido no Natal para ela. No caso, a filha.
E com todos esses exemplos, a menina
foi compreendendo ainda mais sobre cartas e presentes...
“Naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele, tá doendo em
mim...” Naquela
Mesa, Nelson Gonçalves.
Que história emocionante. ❣️
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