quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Jornada ao interior

                                                           
       A viagem começou meio sem graça, pois o caminho até a saída da cidade não apresentava novidade alguma. Entediada, ela ligou o rádio e acariciou o cabelo do marido, mas ele logo rejeitou o carinho, alegando que acabaria com sono e que precisava manter-se alerta. As crianças, no banco de trás, se ocupavam com seus brinquedos e quitutes preferidos, que ela selecionou tão carinhosamente na noite anterior à partida. E a família seguia em busca de seu destino final: a serra.
         Ela começou a olhar pela janela a paisagem que pouco a pouco ia se modificando e ganhando ares mais rústicos. Grandes fábricas e comércios exibindo marcas famosas foram ficando para trás. Agora, ela se deparava com um gado magro, comendo à beira da estrada, em um local de vegetação escassa. Não era uma cena bonita, mas foi capaz de fazer seu pensamento divagar...
        O carro seguiu tranquilamente e alcançou cidadezinhas encantadoras. Ela viu crianças debulhando espigas de milho, e as mães utilizando pequenos fogaréus para assá-los e vender aos viajantes. As bancas de frutas variadas também se multiplicaram, e ver aquele colorido tão vivo e brilhante de todas elas a fez pensar no sabor inigualável que traziam consigo. Quis pedir para parar e averiguar mais de perto, mas como a recusa era certa, preferiu não arriscar.
        Na sequência, avistou também muitas igrejas, cheias de detalhes de uma arquitetura bem modesta, e foi mostrando para a filha maior, que questionou o pequeno tamanho das construções. Desde bebê, estava acostumada a frequentar igrejas de grande porte, o que justificava tal estranhamento. A partir de então, a menina passou a prestar mais atenção no que se apresentava pelo caminho, e perguntou sobre locais que também se repetiam: os cemitérios! Infelizmente, apesar do esforço da mãe, ela não conseguiu compreender o porquê de tantas estátuas de anjos, imagens e outros artefatos para homenagear pessoas que já estavam mortas...
        A viagem prosseguiu, e a esta altura, as crianças já apresentavam sinais de cansaço, se envolvendo em pequenas disputas e contracenando episódios de birra e muito choro. Foi neste momento que ela avistou uma casa que oferecia café regional e desta vez solicitou a parada na estrada. E o marido a atendeu.
       Após acomodar as crianças em volta da mesa com o pai, serviu sorvete para elas e saiu para explorar minuciosamente aquele lugar… Encontrou prateleiras repletas de vidros de doces caseiros com sabores variados, mel e outros produtos típicos da região. Ornamentando uma destas prateleiras, avistou umas canecas de chopp de porcelana bem antigas, que a remeteram à infância na casa da avó. E como turista em sua própria terra, não resistiu e fotografou o achado.
     Voltou à mesa e tomou uma xícara de café, quente, puro e forte, com um sabor inigualável… Preferiu não comer nada, para não correr o risco de embotar aquele sabor delicioso. Estava saciada com tudo o que estava vivenciando até ali. Olhava pela varanda a simplicidade do lugar e pensava em como todos nós somos capazes de criar uma série de necessidades que são completamente desnecessárias para sermos felizes…
        Após esta pausa, eles retomaram a viagem. O acostamento logo desapareceu e deu lugar a um paredão de vegetação fechada, bem verdinha. Uma imagem de encher os olhos… O carro ia subindo a serra e ultrapassando pequenos reflexos de luz do sol que passavam por entre as árvores. O rádio silenciou e ela o desligou. As crianças dormiram. Ela seguiu calada, enebriada por tudo que estava ao seu redor.
        Finalmente chegaram ao seu destino. Ela desceu do carro, contemplou a imensidão da serra e sentiu uma paz indescritível. Após a chegada ao hotel, um lugar bastante aconchegante e acolhedor, ela pediu para almoçar na cidade, ansiosa por aproveitar cada minuto daquele lugarzinho que ela aprendeu a amar.
       Na cidade, a família foi recepcionada em um restaurante por uma música gostosa de ouvir ao violão: Final feliz, de Jorge Versilo. Depois da refeição, ela saiu passeando com as filhas pela praça, percorrendo as banquinhas de artesanato. De repente, foi surpreendida por uma série de motoqueiros, que aceleraram suas motos e saíram um a um, bem coordenados, proporcionando um espetáculo a todos que ali estavam.
         Eles voltaram ao hotel, e caminhando até seu chalé ela avistou um casal de jovens. O rapaz tocava para a moça ao violão a música My Girl, em um espaço zen do hotel. Observando aquilo, ela imaginou o quanto seria bom se soubesse tocar e estar ali também com seu violão, cantando como ele, pois a doçura daquele gesto pareceu bastante adequada àquele lindo cenário de tranquilidade e paz.

“Há um vilarejo ali, onde areja um vento bom/ Na varanda, quem descansa vê o horizonte deitar no chão...”

Vilarejo, Marisa Monte.

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