A
viagem começou meio sem graça, pois o caminho até a saída da cidade não
apresentava novidade alguma. Entediada, ela ligou o rádio e acariciou o cabelo
do marido, mas ele logo rejeitou o carinho, alegando que acabaria com sono e
que precisava manter-se alerta. As crianças, no banco de trás, se ocupavam com
seus brinquedos e quitutes preferidos, que ela selecionou tão carinhosamente na
noite anterior à partida. E a família seguia em busca de seu destino final: a
serra.
Ela
começou a olhar pela janela a paisagem que pouco a pouco ia se modificando e
ganhando ares mais rústicos. Grandes fábricas e comércios exibindo marcas
famosas foram ficando para trás. Agora, ela se deparava com um gado magro,
comendo à beira da estrada, em um local de vegetação escassa. Não era uma cena
bonita, mas foi capaz de fazer seu pensamento divagar...
O
carro seguiu tranquilamente e alcançou cidadezinhas encantadoras. Ela viu
crianças debulhando espigas de milho, e as mães utilizando pequenos fogaréus
para assá-los e vender aos viajantes. As bancas de frutas variadas também se
multiplicaram, e ver aquele colorido tão vivo e brilhante de todas elas a fez
pensar no sabor inigualável que traziam consigo. Quis pedir para parar e
averiguar mais de perto, mas como a recusa era certa, preferiu não arriscar.
Na
sequência, avistou também muitas igrejas, cheias de detalhes de uma arquitetura
bem modesta, e foi mostrando para a filha maior, que questionou o pequeno
tamanho das construções. Desde bebê, estava acostumada a frequentar igrejas de
grande porte, o que justificava tal estranhamento. A partir de então, a menina
passou a prestar mais atenção no que se apresentava pelo caminho, e perguntou
sobre locais que também se repetiam: os cemitérios! Infelizmente, apesar do
esforço da mãe, ela não conseguiu compreender o porquê de tantas estátuas de
anjos, imagens e outros artefatos para homenagear pessoas que já estavam
mortas...
A
viagem prosseguiu, e a esta altura, as crianças já apresentavam sinais de cansaço,
se envolvendo em pequenas disputas e contracenando episódios de birra e muito
choro. Foi neste momento que ela avistou uma casa que oferecia café regional e
desta vez solicitou a parada na estrada. E o marido a atendeu.
Após acomodar as crianças em volta da mesa com o pai, serviu sorvete
para elas e saiu para explorar minuciosamente aquele lugar… Encontrou
prateleiras repletas de vidros de doces caseiros com sabores variados, mel e
outros produtos típicos da região. Ornamentando uma destas prateleiras, avistou
umas canecas de chopp de porcelana bem antigas, que a remeteram à
infância na casa da avó. E como turista em sua própria terra, não resistiu e
fotografou o achado.
Voltou à mesa e tomou uma xícara de café, quente, puro e forte, com um
sabor inigualável… Preferiu não comer nada, para não correr o risco de embotar
aquele sabor delicioso. Estava saciada com tudo o que estava vivenciando até
ali. Olhava pela varanda a simplicidade do lugar e pensava em como todos nós
somos capazes de criar uma série de necessidades que são completamente
desnecessárias para sermos felizes…
Após esta pausa, eles retomaram a viagem. O acostamento logo desapareceu
e deu lugar a um paredão de vegetação fechada, bem verdinha. Uma imagem de
encher os olhos… O carro ia subindo a serra e ultrapassando pequenos reflexos
de luz do sol que passavam por entre as árvores. O rádio silenciou e ela o
desligou. As crianças dormiram. Ela seguiu calada, enebriada por tudo que
estava ao seu redor.
Finalmente chegaram ao seu destino. Ela desceu do carro, contemplou a
imensidão da serra e sentiu uma paz indescritível. Após a chegada ao hotel, um
lugar bastante aconchegante e acolhedor, ela pediu para almoçar na cidade,
ansiosa por aproveitar cada minuto daquele lugarzinho que ela aprendeu a amar.
Na
cidade, a família foi recepcionada em um restaurante por uma música gostosa de
ouvir ao violão: Final feliz, de
Jorge Versilo. Depois da refeição, ela saiu passeando com as filhas pela praça,
percorrendo as banquinhas de artesanato. De repente, foi surpreendida por uma
série de motoqueiros, que aceleraram suas motos e saíram um a um, bem
coordenados, proporcionando um espetáculo a todos que ali estavam.
Eles voltaram ao hotel, e caminhando até seu chalé ela avistou um casal
de jovens. O rapaz tocava para a moça ao violão a música My Girl, em um
espaço zen do hotel. Observando
aquilo, ela imaginou o quanto seria bom se soubesse tocar e estar ali também
com seu violão, cantando como ele, pois a doçura daquele gesto pareceu bastante
adequada àquele lindo cenário de tranquilidade e paz.
“Há um
vilarejo ali, onde areja um vento bom/ Na varanda, quem descansa vê o horizonte
deitar no chão...”
Vilarejo, Marisa Monte.
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