segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Sinal vermelho! Parou!

                                                                                              
              O grande cruzamento perto de casa oferece logo a primeira linda imagem do dia. É possível visualizar pela janela do carro um senhor idoso que atravessa a rua segurando com esforço um regador, até alcançar as plantas recém-colocadas no canteiro principal da avenida. Ao contemplar essa cena, ela pensa que um dia poderá aproveitar a sombra daquela árvore que hoje de inicia, e lembrar-se da figura anônima que colaborou para que ela desfrutasse daquele bem.
       Mais à frente, passam vários ciclistas percorrendo uma das ciclovias que se multiplicaram recentemente na cidade. Ela critica em pensamento a descontinuidade das mesmas e lamenta que as pessoas sejam tão impulsionadas por modismos, ainda que andar de bicicleta, em especial, seja salutar.
          O caminho segue, e desta vez ela vê um homem de óculos escuros, vestido de branco, com uma maleta na mão, parado em frente aos portões ainda fechados de um Centro Espírita. Esse episódio se repete todos os dias, no mesmo horário, no percurso de ida ao trabalho, o que lhe causa bastante estranheza. Ela se demora olhando aquele vulto como se quisesse confirmar que não está diante de um evento sobrenatural, e sem chegar à conclusão alguma, prossegue.
       Ao alcançar a BR, longe de perder sua serenidade característica com o engarrafamento à sua frente, ela liga o som para debelar qualquer resquício de sono que teime em ir embora. A trilha musical que escolhe neste momento tem grande influência no seu humor e praticamente dita o ritmo de todo o seu dia.
             Indignada com a conduta reprovável de motoristas que ultrapassam sem parar pelo acostamento, e na ausência de algo mais belo para apreciar, ela inicia seu ritual de beleza, e garante a primeira parte da maquiagem, que só estará completa no seu local de trabalho. 
            E assim, cantarolando e olhando de tempos em tempos as notificações do aplicativo de conversas do aparelho celular, ela segue pelo mesmo caminho há oito anos, e apesar disso, considera que ele nunca permanece igual. Novas construções, reformas, e até novos grafites nos muros de uma universidade modificam paulatinamente o quadro original. Além disso, os personagens do caminho também vão mudando... A moça que vendia jornais em um cruzamento deixou o ponto, e a flanelinha de outro sinal mais à frente também desapareceu. São insignificantes diferenças que quebram a rotina e a tornam mais amena e suportável...
        Ao final do dia, no percurso de volta para casa, ela chega a um ponto crucial. Se seguir em frente, vai comtemplar o som doce de um jovem saxofonista, que promove seu lindo espetáculo por alguns trocados. Se virar à esquerda, no entanto, encontrará uma senhora com uma touca de crochê na cabeça, vendendo terços para arrecadar doações para sua igreja, disputando lugar com um rapaz alto, vestido de cozinheiro, com seu toque blanche impecável, distribuindo de maneira irreverente os panfletos de sua nova pizzaria.
          Estas serão as últimas paradas até seu destino final, onde será recebida por abraços apertados, daqueles bem saudosos, das filhas pequenas, e encontrará todo o aconchego que precisa para se refazer e enfrentar as novidades que aparecerão no outro dia...

“Eu ando pelo mundo/ E os automóveis correm para quê?/ As crianças correm para onde?/Transito entre dois lados de um lado/Eu gosto de opostos/ Exponho o meu modo, me mostro/Eu canto pra quem?”

                                          Adriana Calcanhoto, em Esquadros.

17 comentários:

  1. Natália, escrever é fruto do exercício de olhar o mundo e ver mais que o óbvio. Tua sensibilidade e teu jeito de valorizar a beleza da simplicidade estão claríssimos neste belo texto! Parabéns!

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    1. Obrigada,Rewbenio.Ter a opinião de quem já tem a experiência de ter um blog e escreve bem como vc é muito importante.

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  2. Senti em todo momento que estava no banco do passageiro fazendo o mesmo percurso contigo!! Deu vontade de conhecer essas figuras que fazem parte do seus dias! Muito bom ��!!

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    1. Que legal! Bom saber que consegui envolver vc na minha história a esse ponto.Obrigada, amiga.

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  3. A riqueza nos detalhes me fez Sentir como se estivesse ao seu lado fazendo o percurso também.
    Doce e ao mesmo tempo crítico.
    Que seja o primeiro de muitos outros textos!

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  4. Linda historia, me vi como personagem da história,vc com sua simplicidade consegue fazer o q muitas pessoas não fazem por conta da presa e até mesmo do stress.parabéns amei.bjs

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  5. Natália...a rotina nao permitiu diminuir sua sensibilidade e poder de observação nas cenas diárias...sejam essas novas como as "repetidas"...parabéns, gata!!! Concordo com os colegas acima...a gente se sente parte da história no banco ao lado...

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  6. Natália...a rotina nao permitiu diminuir sua sensibilidade e poder de observação nas cenas diárias...sejam essas novas como as "repetidas"...parabéns, gata!!! Concordo com os colegas acima...a gente se sente parte da história no banco ao lado...

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  7. Natália...a rotina nao permitiu diminuir sua sensibilidade e poder de observação nas cenas diárias...sejam essas novas como as "repetidas"...parabéns, gata!!! Concordo com os colegas acima...a gente se sente parte da história no banco ao lado...

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  8. Bicha pra escrever bonito da gota serena. Parabéns pelo texto.

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    1. Obrigada pela consideração de sempre, meu amigo do coração.

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  9. Belo texto para refletir sobre nosso dia-dia em coisas simples etc..

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    1. Querida lindo texto. Parabéns refletir sobre nosso dia é valorizar as pequenas alegria.

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  10. Lindo texto, Natália. Me fez pensar em como nós não nos damos conta das pequenas mudanças da paisagem com o passar do tempo, de como a vida pode ser estática ou mutante dependendo somente dos olhos de quem vê. Também me fez refletir em como isso é natural para a maioria das pessoas, mas não para mim, que estou constantemente de mudança. Imagina que eu não sei o que é fazer o mesmo caminho para o trabalho por oito anos, e que, depois que eu saí de casa, o máximo de tempo que fiquei em uma mesma cidade foram cinco anos? Bem doida mesmo, essa vida de nômade. Hoje estou no Sul, amanhã posso estar no norte, do Brasil ou da América do Norte, quem sabe kkkk.

    Parabéns pelo Blog, prossiga na missão, vc leva jeito! Grande abraço.

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  11. Adorei a iniciativa e muito mais o texto.
    Vá em frente. Já ansioso por novas postagens.

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